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Na minha enésima visita a uma nutricionista — cuja conta já perdi, dada minha longa batalha com a balança e, mais profundamente, comigo mesmo —, descobri algo surpreendentemente novo sobre mim.

A nutricionista, um desses exemplos irritantemente perfeitos de saúde, daquelas magrinhas até demais, me encarava com um olhar compreensivo (quase que de pena). Me sentia julgado. Ela parecia ver através de mim, o gordinho, direto para a essência da minha alma.

De repente, ela lançou uma pergunta que, na superfície, parecia simples: “Você é daqueles que limpam o prato simplesmente porque pagou por isso?”

Essa questão me atingiu de maneira inesperada. Admito que me senti ofendido. “Como ela ousa?”, pensei. Afinal, apesar de meus quilos a mais, um dos meus pequenos orgulhos é não me preocupar com o preço ao desfrutar de uma boa refeição. Mas, refletindo um pouco mais, percebi que o assunto não era meu dinheiro.

Respondi prontamente que não, embora, no fundo, uma ponta de dúvida começasse a surgir. E conforme ela prosseguia, essa antipatia inicial pela “moça magrinha” começou a se transformar. Quem ela pensava que era, dissecando minhas desculpas e hábitos alimentares com tanta audácia?

À medida que a conversa avançava, fui obrigado a confrontar uma verdade inconveniente. Sim, eu era especialista em racionalizar comer as sobras do meu filho com a velha desculpa de “não querer desperdiçar”. Mas o que realmente estava por trás dessa necessidade? Era uma preocupação genuína com o desperdício ou apenas um véu para encobrir uma culpa mais profunda e inexplicável?

Tentando desviar a culpa que crescia em mim, lembrei-me dos jantares de família onde a regra era clara: “limpar o prato”. Será que isso era realmente sobre evitar o desperdício, ou estávamos todos apenas seguindo cegamente uma regra, perpetuando um ciclo de culpa e desculpas sem sentido?

Após muita introspecção e algumas conversas muito francas — tanto com nutricionistas quanto comigo mesmo — comecei a desvendar o emaranhado que é minha relação com a comida. Minha luta contra o peso era apenas a camada superficial de uma questão muito mais profunda, ligada a ensinamentos da infância e conflitos internos sobre o significado de “fazer a coisa certa”.

Cada consulta tornou-se um lembrete de minha jornada e das possibilidades adiante. Mas a ironia da maior lição que aprendi foi que o autoconhecimento pode ser uma faca de dois gumes. Sim, descobri o valor de conhecer e cuidar de mim, por dentro e por fora. Contudo, às vezes, a verdade é tão amarga que a fuga parece uma opção mais atraente.

Ainda com essas revelações, devo confessar que nunca mais voltei àquele consultório. Parei de pensar naquela nutricionista, até agora…

Ela segue lá, esbelta e certinha, e eu? Bem, atualmente estou na minha fase mais “magrinha”, superando alguns dos meus “fantasmas da infância” com a ajuda de medicação para controlar a ansiedade. Mas isso me leva a questionar: será essa a melhor solução? Se (ou seria “quando”?) parar de funcionar, terei novos culpados: a medicação, quem receitou, e até meu corpo que se acostumou.

No final das contas, algumas verdades são tão desconfortáveis que nos voltamos contra quem nos obriga a encará-las. Talvez eu não estivesse tão preparado quanto imaginava para lidar com a minha realidade. Ou, quem sabe, todos nós preferimos viver com nossas confortáveis ilusões a encarar o desafio de enfrentar a verdade nua e crua.

01/04/2024
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