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Nós caminhávamos.

Nós éramos eu, o adulto, ele, que é meu e tem oito anos, e ela, que é Bela, amiga dele e tem sete anos.

Ela levava a bola. Às vezes acho que era a bola que a levava. Afinal, para onde a bola ia, nós íamos atrás.

A bola fugiu para debaixo de um carro parado, ficando presa bem na metade do caminho. Ela não alcançava, ele também não. O que teriam feito se eu não estivesse ali?

Deitei no chão, estiquei a perna e empurrei a bola. Ela pegou a bola, sorriu, e ele riu. E lá estava eu, deitado no meio da rua, como se tivesse sido atropelado por um carro parado.

Jogamos com a bola e voltamos caminhando à beira do lago.

A bola estava com ela. De repente, fugiu dela, foi para o lago e o lago levou a bola. Ela se desesperou, ele também. Eu lamentei, já estava dando adeus à bola.

Então, o lago resolveu devolver a bola. A bola, que estava no meio do lago, voltou para a beirinha. Ele comemorou, ela também. Eu peguei a bola.

Ela não quis mais a bola, que estava molhada. Lembranças do lago.

Voltamos para casa. Agora a bola estava comigo. Ela estava com ele. Todos éramos nós.

Nós e a bola.

27/07/2024

Como definir Sabedoria? Não é fácil.

Para Aristóteles, que tentou explicar muitas coisas, a Sabedoria seria o encontro da Prudência (Phronesis) com a Contemplação (Sofia). O sábio, então, seria aquele que é prudente e contemplativo.

A Prudência é a sabedoria prática, a capacidade de deliberar sobre as ações que devem ser realizadas para alcançar um bem moral. Phronesis, nome grego bonito para Prudência, envolve a habilidade de julgar o que é justo, adequado e virtuoso em situações específicas. É uma sabedoria aplicada, que se desenvolve através da experiência e da prática contínua, como uma musculatura que cresce com a prática diária e com os “machucados” causados por cargas maiores do que as que suportamos geralmente.

Anos atrás, fui convidado a uma festa onde encontraria dois casais homossexuais. Fui advertido sobre isso e, de pronto, respondi que estava tudo bem. No entanto, depois pensei: será que está tudo bem mesmo? Teoricamente, eu era “inclusivo”, mas seria também na prática? Tive orgulho de mim quando confirmei que realmente “estava tudo certo”. Vivência é fundamental para desenvolver a verdadeira Prudência.

A Contemplação é a sabedoria teórica, o conhecimento profundo e reflexivo das verdades universais e eternas. Sofia, nome grego bonito para Contemplação, é especulativa, sempre buscando entender a natureza fundamental da realidade e os princípios que governam o universo. Aristóteles considerava a Contemplação mais elevada, por buscar causas primeiras e princípios fundamentais.

Minha experiência na festa também reflete a Contemplação, pois refleti profundamente sobre meus próprios valores e preconceitos antes de agir. Para Aristóteles, a vida virtuosa e sábia requer equilíbrio entre Prudência e Contemplação. A primeira orienta a ação correta no mundo prático, enquanto a segunda promove compreensão e realização intelectual e espiritual. Prudência para as coisas da carne, Contemplação para as coisas do espírito.

Sabedoria, combinação da Prudência e da Contemplação, para Aristóteles, era o atalho para a Eudaimonia – a felicidade plena. As duas são a base para que cada um de nós vivamos em plenitude as nossas virtudes, mantendo o equilíbrio cósmico. Afinal, para os gregos, a vida boa era aquela em que cada um faz aquilo que nasceu para fazer, conforme a sua natureza.

Mas sou cristão. Cristo, para mim, é mais do que Deus encarnado. É um pensador como foi Aristóteles. Aliás, um pensador que dá um passo além da concepção grega para ética e para a felicidade. Para Cristo, à Prudência e à Contemplação, é necessário acrescentar o Amor e a Caridade (Ágape). Este Amor transcende a justiça e a prudência humanas e aristotélicas, buscando sempre o bem do outro, mesmo à custa do próprio sacrifício. Minha experiência na festa exemplifica esse Amor e Caridade, pois fui capaz de acolher e respeitar o próximo sem julgamentos.

Aristóteles, grego, valorizava a excelência individual (Areté). Cristo enfatiza a humildade, pelo reconhecimento de nossas limitações. Minha experiência pessoal também mostra a importância da humildade. Pude reconhecer meus próprios preconceitos e superá-los na prática.

No entanto, perceba que meu orgulho de mim mesmo entra em conflito com a necessidade de humildade. Longe de mim pensar que está tudo certo. Contemplar e ter prudência faz sentido para que continuemos reconhecendo, com humildade, que estamos muito longe de fazer o certo o tempo todo. A Sabedoria humana nunca é plena. A divina, como Tiago ensina, é adquirida pedindo a Deus. Somente dessa forma.

Para completar, Cristo também enfatiza a Fé e a Esperança. Não sob uma perspectiva irracional, mas pelo reconhecimento da ação definitiva divina. A felicidade plena aristotélica era a Eudaimonia. A felicidade plena cristã é a beatitude (Makarios). Makarios, palavra grega bonita para Beatitude, não se afasta da Prudência e da Contemplação, mas adiciona uma orientação para tais práticas. Trata de ter Prudência e Contemplação com base forte no Amor, orientados à Caridade, sustentados em Fé e Humildade.

Cristo amplia a compreensão aristotélica e corrige suas falhas. Se no início disse que não via Cristo apenas como Deus encarnado, agora afirmo que minha crença de que Cristo é Deus mostra que suas “correções a Aristóteles” são o caminho a seguir. Prudência e Contemplação são fundamentos para a atitude humilde que reconhece que a Sabedoria verdadeira vem de Deus. Daí a importância de reconhecer a Cristo como referência. Ele, sendo Deus, é a fonte única de Sabedoria que vale a pena.

Como definir Sabedoria? Sim, pode ser pela combinação de Prudência e Contemplação, em busca da Beatitude.

27/07/2024

Sempre deixe o acampamento em uma condição melhor do que aquela em que o encontrou.

Trata-se de um conceito simples, mas poderoso. Uma máxima que, ouvi dizer, é seguida por todos os escoteiros.

Não estamos aqui fazendo quaisquer considerações sobre o estado em que se encontra o acampamento. Também não estamos falando sobre deixá-lo nas melhores condições possíveis. O que se pede é, simplesmente, que se deixe as coisas melhores.

Essa ideia, aparentemente ingênua, é poderosa! Não acha? Imagine se todos a aplicássemos em todas as áreas de nossas vidas. Todos os dias, para cada coisa, devemos sempre deixar tudo em condições melhores do que encontramos. Imagine o impacto positivo para o próximo ou, quem sabe, para nós mesmos.

Na prática, isso se traduz na busca pela melhoria contínua e incremental. Um antídoto para a paralisia por análise excessiva. A cura para o ansioso na busca pela perfeição. Um passo consistente na direção certa.

Eu sempre fui perfeccionista. Recebo sempre como feedback que minha “barra é muito alta”, que sou difícil de agradar. Confesso que isso é verdade. Sou exigente mesmo, principalmente comigo. No passado, em um projeto em que atuei e um dos primeiros grandes fracassos que experimentei em minha trajetória, senti na pele o peso de esperar pelo perfeito. Passei meses tentando desenvolver um modelo de dados que suportasse as demandas de uma aplicação inovadora que ajudei a conceber. Por não me permitir o incremental, não entreguei nada.

Com o tempo, entendi que compartilhar, o mais cedo possível, os resultados do meu trabalho me ajuda a controlar a minha ansiedade e a dos outros. Mais que isso, abre espaço para a colaboração. Hoje, na empresa, tento compartilhar o que estou fazendo o tempo todo. Meu desafio, agora, é convencer os outros de que essa é a melhor estratégia para eles também.

Há meses, comecei a desenvolver uma ferramenta que gera e apresenta indicadores. Chamo-a Omniscope. Perfeita? Longe disso. Mas, a cada dia, ela vai cumprindo um pouco melhor o papel que projetei para ela. Uma das aplicações que dou ao Omniscope é gerar uma visualização dos projetos que se distanciam da rotina operacional. A primeira visão que criei era bem simples, quase simplória. Esses dias, recebi recomendações simples, mas que se mostraram tremendamente eficazes. Pediram para que eu colocasse alguns filtros e algumas “consolidações” resumindo números que já eram exibidos, só que não de forma tão simples. O painel ficou muito melhor.

Outro dia, pensava em adicionar uma tela cheia de campos e opções que permitiriam a algumas pessoas da empresa ver qualquer coisa. A recomendação que recebi? Fazer o oposto. Entregar telas simples que deixassem mais claro o que eu espero que as pessoas vejam. Usar a interface como uma forma de comunicação. Brilhante!

Cada pequena ação que tomamos para melhorar algo ao nosso redor contribui para um impacto maior ao longo do tempo. Um legado positivo. Se cada um de nós fizer um pouco, juntos podemos criar um mundo melhor, um pequeno passo de cada vez. Todos os dias, todos, em um mundo um pouco melhor.

Minha barra é alta. Mas, minha ansiedade é maior.

24/07/2024

Outro dia, aprendi uma lição importante sobre águias e corvos.

O corvo é conhecido por ser o único pássaro que ousa atacar uma águia. Coragem? Nem tanto! Ele literalmente ataca pelas costas, sentando-se sobre a águia em pleno voo e mordendo-a no pescoço.

E o que faz a águia? Ela não responde diretamente. O que ela faz é muito mais inteligente e alinhado com a sua natureza: ela voa para altitudes cada vez mais elevadas, acima das nuvens, onde o ar é mais rarefeito. A águia suporta. O corvo desmaia.

O corvo ataca aproximando-se da águia em sua “zona cega”. Tão desleal como um corvo sabe ser. A águia responde elevando-se acima dos desafiantes. Diferenciada como a águia sabe ser.

No meu dia a dia, eu preciso lidar, infelizmente, com alguns ataques que nem sempre considero justos. Há um bocado de coisas que acontecem “pelas minhas costas”, e, te garanto, ser atacado na “zona cega” dói muito. Nem sempre, entretanto, eu consigo agir como a águia e ascender. Mas deveria…

O que tiro de aprendizado? Que eu sempre tenha a altitude moral da águia, nunca como o corvo. Que eu reconheça os corvos. Que eu sempre supere os corvos voando sempre mais alto.

Sempre para o alto.

16/07/2024

Duas causas comuns para o erro: ignorância e ineptidão.

A ignorância acontece quando não sabemos algo, o que nos leva a não fazer o necessário. Ou, se fazemos, não fazemos do jeito certo. Erro todos os dias por ignorância. Aliás, acho que uma das lições da maturidade é entender que há muito mais do que não sabemos do que de coisas que sabemos. Sócrates disse que a sabedoria começa na reflexão sobre a própria ignorância.

A ineptidão ocorre quando sabemos o que precisa ser feito e como fazer, mas, por alguma razão, não fazemos. Outro dia, um colega, ao preparar uma “live”, contou que muitos dos erros que cometeu poderiam ter sido evitados. Tudo era coisa que ele já sabia. Pura e simples ineptidão. Falamos que um “checklist” pode ajudar nas próximas.

Dói quando preciso lidar com as consequências de coisas que já havia antecipado. Falo para as pessoas sobre como mitigar ou evitar. Mas, por alguma razão, elas ignoram. Resultado? Muitas vezes eu preciso corrigir o que não precisaria ser corrigido se eu tivesse sido ouvido. Gostaria de dizer que é só sobre os outros. Mas, muitas vezes, eu também “me ignoro”.

Alguns dizem que a ignorância é uma bênção. Talvez seja, porque sem ela, só resta reconhecer a ineptidão. A ineptidão demonstra nossa indisciplina, descuido, desleixo ou pura falta de responsabilidade.

Quando erro por ignorância, vejo uma oportunidade. Difícil é aceitar meus erros quando o problema é a ineptidão. É importante buscar fazer as coisas certas, que já sabemos.

14/07/2024

Outro dia, estava conversando com minha sobrinha. Recém-batizada, ela ainda se debatia com o entendimento, ou a falta dele, que existe no meio religioso. Ela reclamava da postura de algumas pessoas que congregavam com ela, criticando-a por coisas do passado.

Eu disse a ela que sua postura deveria ser de gratidão genuína. Afinal, que honra receber repreensão de gente que acha ou entende que pode falar em nome de Deus! Como essas pessoas têm coragem de julgar, contrariando o próprio livro de Tiago, que fala claramente sobre a necessidade de controlar a língua? Tiago adverte que a fé sem ações é morta. A fé professada apenas em palavras não é, como ensina Tiago, verdadeira nem cristã.

Para ilustrar meu ponto, contei a ela sobre alguns personagens bíblicos que também enfrentaram julgamentos e cometeram erros. Saul sucumbiu ao ciúme de Davi. Davi, que parecia fiel a Deus, falhou ao se envolver com Bate-Seba. Sansão pecou pela vaidade, e Salomão, conhecido por sua sabedoria, acabou seguindo deuses estrangeiros. O apóstolo Paulo, antes conhecido como Saulo, perseguia cristãos. Até mesmo o profeta Elias, que fez cair fogo do céu contra centenas de “sacerdotes pagãos”, fugiu com medo de uma rainha.

Esses exemplos não apenas mostram a imperfeição humana, mas também a capacidade de Deus em realizar sua obra perfeita através de seres falhos. Assim como os heróis bíblicos, também nós não somos “totalmente bons”. Erramos e dependemos da Graça e Misericórdia divina. Essas histórias mostram que, apesar de nossas falhas, Deus pode nos usar para cumprir seus propósitos.

Minha sobrinha também questionou a autenticidade de algumas manifestações, como o “falar em línguas”. Será que todos realmente estão falando em línguas ou estão apenas fingindo? Eu disse que, na prática, não faz diferença. É possível que algumas pessoas estejam fingindo e, nelas, a manifestação seja falsa. Mas, para quem presencia, pode ouvir algo que conecta com o Espírito Santo. Essa é uma das belezas de Deus: ressignificar o errado para cumprir um propósito certo.

Outro ponto interessante é a obsessão quase doentia de algumas pessoas em “seguir a palavra”. Vale sempre o que está na Bíblia e ela é a fonte segura da verdade. Pois bem, o problema é que a Bíblia é entendida através de nossos filtros ou através dos filtros dos outros. Ter a Bíblia como referência é indiscutível, mas o extremo que sempre leva ao engano conduz a algo mais do que condenado: a idolatria.

Feitos à imagem do Criador, somos também nós criadores, ou pelo menos co-criadores de nossas realidades. Tal como Deus, deveríamos buscar ressignificar o que é ruim em coisas boas, praticando a tolerância, sempre com amor, mas sem esquecer a justiça.

Voltando à conversa com minha sobrinha, expliquei que depender de Deus, não de maneira funcional, mas emocional, não é sinal de fraqueza, mas uma prova de fé e humildade. É na nossa imperfeição que a Graça se torna visível e poderosa, mostrando que a verdadeira força não está em nós, mas na obra que Deus realiza através de nós. O mesmo ocorre com relação à vida das pessoas ao nosso redor. Sempre conhecemos apenas um recorte. O juízo, então, é sempre falho. Isso é ensinado na história de Jó. Os amigos de Jó tentavam convencê-lo de que, se coisas ruins estavam acontecendo, era porque ele era falho. O que há de diferente nesse comportamento daquele que encontramos em algumas igrejas? E que grande lição Deus ensina a Jó, evidenciando sua falta (e, sem dúvidas, a nossa) de compreensão e sua capacidade limitada de entender o divino.

Recentemente, dúvidas semelhantes às da minha sobrinha surgiram de outras pessoas que também gosto. Honestamente, sinto-me honrado, pois, mesmo sob toda minha imperfeição, ou talvez exatamente por causa dela, sou instrumento para responder. Sei que posso estar interpretando as coisas de forma errada. Mas minha fé em Deus me faz esperar que minha intenção genuína faça com que Ele leve o certo para quem ouve, mesmo quando o que eu falo não está correto.

O crente não deve fazer as coisas por temor (no sentido de ter medo) de Deus, mas por Temor (respeito e reconhecimento) Dele. Cada esforço, se houver, deve ser recebido como uma prática de amor a Deus e, também, do Amor Dele por nós. Ele não depende de nós, não precisa de nós. O que fazemos por Ele é uma oportunidade para nós, nunca para Ele.

Deus, definitvamente, escreve certo por linhas tortas.

Sabedoria e entendimento. Não há como desenvolver Sabedoria, que é musculatura, sem buscar o Entendimento, que é relação. Deus dá a Sabedoria divina em abundância a quem solicita. Mas, isso não implica na falta de necessidade de que tomemos posse (aliás, foi exatamente assim com a Terra Prometida).

13/07/2024