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Quem escreve bem, fala melhor

Cresci pensando que o essencial na escrita era ser entendido. Nunca compreendi bem o porquê de tantos porquês. Mas, tudo mudou. Ainda bem!

Início dos anos 2000, eu já era um cara de tecnologia. Já era pai. Achava que falava bem em público. Achava que escrevia bem. Mas não era bem assim.

Um dia, a empresa onde eu trabalhava resolveu montar uma “universidade corporativa”. A gente ia aprender sobre um monte de coisas, inclusive sobre escrita. Como eu achava que já sabia escrever, considerava perda de tempo. Mas, ficaria feio dizer isso em voz alta.

Começou a tal universidade, e conheci o professor Normélio. Pelo nome, só poderia ser professor de língua portuguesa. Tudo indicava que seria chato! Mas, foi transformador.

Normélio era um senhorzinho simpático, simples, mas sofisticado. Pensa em alguém que gostava do que fazia. Quando ele lia os textos que a gente escrevia, que seguramente tinham gosto duvidoso, parecia degustar cada palavra. Pensando bem, coitado do Normélio que poderia estar lendo Machado de Assis, mas estava ali, lendo os nossos textos.

Em uma das primeiras aulas, ele pediu para que a gente escrevesse uma carta comercial. Eu escrevi. Ele pediu para ler minha carta para a turma. Eu deixei.

Ele elogiou muito a minha escrita. Ele achou particularmente interessante um trecho onde geralmente aparece “menor preço” eu escrevi “melhor preço”. Eu pensei “viu só, eu sei escrever” e agradeci.

Ele, no entanto, não parou por ali. Disse que eu escrevia bem, mas virgulava mal. Quê?

Eu não era um cara exatamente acostumado a receber críticas. Aquela não foi uma crítica fácil de aceitar no primeiro momento.

Ele sorria com delicadeza, meus colegas riam alto e eu nem sabia o porquê.

Indignado, respondi que só usava uma regra: colocava vírgulas nas pausas. Ele concordou comigo, disse que seria o suficinente, mas lembrou que, então, para virgular certo, eu precisaria falar certo. Doeu!

Sabe aquelas pessoas que não aceitam críticas, e daí quase se matam para provar que são capazes?Muito prazer, eu.

Resolvi aprender regras de boa escrita. De verdade. Nem lembro quanto do dinheiro que não tinha gastei para comprar os melhores livros. Eles ajudavam, só que pouco. Pensa em algo chato. Mesmo assim, fui persistente.

Alguns colegas disseram que eu estava exagerando. Que nem sabiam ao certo o porquê de aulas de português na universidade corporativa. Mas eu sabia! De um monte de coisas que eu queria fazer bem, escrever era o que eu fazia pior e o Normélio deixou isso claro pra todo mundo.

Sou persistente – uma forma mais simpática de dizer que sou teimoso – e me convenci que aprenderia a escrever muito bem – até para os padrões do Normélio. Me convenci, sei lá como, que escrever bem me deixaria mais preparado, embora eu não soubesse exatamente o porquê.

Foi aí que, do nada, comecei a ser “Ghost Writer” dos meus chefes. Minha missão era escrever o ponto de vista deles, usando o vocabulário deles, mas corretamente. Escrever o primeiro texto não foi fácil. Tentei combinar ao máximo o estilo das pessoas que admirava com técnica. No fim, técnica e treino, com o tempo, se revelam talento.

Escrever bem fez com que meus chefes confirmassem que eu realmente entendia o que eles diziam. Meus textos eram publicados em revistas, em anúncios, em jornais. Na verdade, o texto era deles; eu era apenas um instrumento. Eu tinha a habilidade de colocar em palavras ideias que nem eles conseguiam expressar claramente. Isso nos aproximou.

Depois disso, escrever virou um hábito natural. Aliás, comecei a perceber elementos da escrita em outras coisas. Comecei a entender que conhecimento codificado resiste ao tempo. Um texto bem escrito é mais duradouro.

Meu contato é com pessoas técnicas. Sempre foi e, provavelmente, sempre será. Essas pessoas nem sempre se importam com a escrita correta. Mas faço questão de alertá-las: de nada adianta ter boas ideias se você não consegue expressá-las. E não há forma melhor de expressar uma boa ideia do que com um bom texto, bem escrito. Normélio me ensinou isso.

Fiquei sabendo, há alguns anos, que o querido professor havia partido. Até hoje sinto saudades dele, embora eu ache que ele seguiu seu final de vida sem lembrar exatamente de mim. Mas não importa. Hoje, quando dou uma palestra ou uma aula, o legado dele continua comigo. Normélio costumava dizer: “Quem escreve bem, fala melhor”.

O verdadeiro aprendizado transforma vidas, ultrapassa gerações e cria legados duradouros, mesmo quando aqueles que ensinam já não estão mais presentes.

03/03/2025

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