Já reparou como tudo o que fazemos sem enxergar um valor intrínseco logo se torna um “fardo”?
Quando uma atividade é apenas um meio para se chegar a outro lugar, largamos essa atividade assim que surge um caminho mais fácil. É um “peso a menos”. O problema é que é quase impossível fazer bem feito aquilo que encaramos como um peso. Também é muito difícil encontrar prazer em algo que vemos apenas como uma carga. Ninguém gosta de “pedágios”.
Outro dia, enquanto ainda refletia sobre essa ideia, assisti ao ensaio de Jonas Kaufmann para Nessun Dorma. Era “apenas” um ensaio, mas a entrega dele e a satisfação visível em suas reações à orquestra primeiro me emocionaram e, em seguida, me fizeram pensar. Ele não estava apenas ensaiando; estava completamente presente e realmente cantando, vivendo cada nota. Kaufmann parecia guiado pelo valor intrínseco daquilo que fazia, e não por um resultado ou uma audiência.
Depois, assisti a um vídeo de Pavarotti interpretando a mesma ária. Não sei quantas vezes ele já cantou Nessun Dorma, mas há dezenas, talvez centenas de gravações dele no YouTube. Mesmo fazendo isso há décadas, sua entrega em cada registro impressiona. Gênio! Naquele vídeo, em especial, ele estava plenamente entregue, absorvido pela própria música, e isso ficou ainda mais claro em suas reações ao final. Ali estava alguém que fazia algo por paixão, pelo valor profundo e verdadeiro daquela atividade. Pavarotti, assim como Kaufmann, estava conectado com o que fazia, e essa conexão conferiram unicidade a esses dois momentos que definitivamente se afastam da rotina, do descartável.
Quando, por exemplo, estudamos apenas para garantir um emprego melhor, o estudo logo vira uma atividade chata e desgastante, que exige mais esforço do que o necessário. Quando o estudo não é valorizado pelo aprendizado em si, ele se torna um peso. A mesma lógica vale para os exercícios físicos: se a única razão para fazer é manter ou melhorar a forma, a prática rapidamente se esvazia. Quem não encontra prazer e finalidade direta na atividade acaba por abandoná-la ao primeiro sinal de oportunidade.
O trabalho também não foge dessa regra. Se trabalhamos apenas para ganhar dinheiro e fazer coisas fora dali, o trabalho sempre será um peso. Sem perceber valor intrínseco no que fazemos todos os dias, o trabalho se torna uma simples troca de tempo e energia por dinheiro, se afastando da nossa satisfação. Torna-se algo enfadonho e nos faz esperar a “hora feliz”, geralmente nas sextas, depois do que se deduz foi uma “semana menos feliz”.
É por isso que se torna tão difícil sermos bons em algo se não enxergamos valor real naquilo. Esse valor é o que nos leva a ir além do mínimo, a nos dedicar de verdade e a crescer. O primeiro passo para fazer algo melhor é aprender a valorizar a própria atividade, independentemente do que ela possa trazer. Quando encontramos sentido no que fazemos, pelo simples prazer de fazer, nossa motivação é mais genuína, o processo mais leve e os resultados mais consistentes.
A chave, então, está em mudar o foco. Quando passamos a valorizar o que fazemos pelo próprio prazer de fazer, transformamos obrigações em escolhas e pesos em fontes de satisfação.