Lembro-me do filósofo que chorava ao ver um rio, não por causa de sua beleza, mas porque sabia que nunca mais veria aquele mesmo rio novamente. A água que passava diante dele, por mais que parecesse a mesma, era outra a cada instante. Assim como ele, também olho para mim e percebo que não sou mais a mesma pessoa de antes. Essa mudança, que é inevitável, não me faz gostar mais da versão atual de mim do que daquela que existia antes. Pelo contrário, de certa forma, choro como o filósofo, por não ser mais quem fui, por deixar algo de mim para trás ao longo do caminho.
Nas minhas relações, percebo que, assim como mudei, as expectativas ao meu redor também mudaram. Às vezes, sou cobrado por carências que antes eu supria naturalmente, e que, agora, por causa das transformações pelas quais passei, já não consigo atender da mesma forma. Do mesmo modo, também busco nos outros o atendimento de carências que eu agora tenho, e que antes não faziam parte de mim. Esses desencontros revelam como as mudanças pessoais impactam diretamente os relacionamentos, e como é difícil conciliar quem somos hoje com as expectativas do outro, que ainda se lembra de quem fomos.
Infeliz daquele que depende do outro para ser feliz. A dependência emocional cria uma prisão invisível que limita nosso crescimento e autonomia. Quando baseamos nossa felicidade na presença ou validação de outra pessoa, deixamos de ser protagonistas da nossa própria vida e nos tornamos reféns de algo que não podemos controlar, o que inevitavelmente gera sofrimento e frustrações. A verdadeira autonomia emocional exige que encontremos dentro de nós a fonte de nossa felicidade, sem depender exclusivamente do outro para nos sentir completos. A felicidade genuína, como apontado por Alfred Adler, não pode ser encontrada em relações verticais, onde há superioridade ou inferioridade. Quando nos colocamos acima ou abaixo do outro, surgem problemas. Ao depender do elogio ou da crítica, nos colocamos em uma posição de submissão, esperando a validação externa para definir nosso valor. Da mesma forma, quando elogiamos ou criticamos com o ímpeto de corrigir o outro, assumimos uma posição de superioridade, o que também desestabiliza as relações. A verdadeira felicidade reside em estar “ao lado”, em relações horizontais, onde há igualdade, respeito mútuo e colaboração, sem a tentativa de controlar ou ser controlado.
A modernidade, com sua facilidade de conexão e suas múltiplas formas de relacionamento, torna tentador e fácil estabelecer e manter relações que rapidamente se convertem em cativeiros afetivos. Essas relações, inicialmente promissoras, podem facilmente se transformar em prisões emocionais quando há a dependência mútua ou o desejo de controle. Se uma relação se desenvolve nesse sentido, ela precisa ser redefinida. E, se a redefinição não se mostrar possível, o encerramento, por mais doloroso que seja, se torna uma necessidade. Prolongar uma relação que nos aprisiona apenas perpetua o sofrimento e bloqueia o crescimento pessoal e emocional.
Quem nós somos pode ser explicado pelos valores que queremos desenvolver ao longo da vida e pela intensidade com que buscamos isso. Os valores que cultivamos nos moldam, e é esse processo constante de busca e transformação que nos define. O desafio é manter nossa identidade em constante evolução sem permitir que ela se perca ou se dilua nas expectativas e demandas externas. O equilíbrio entre quem somos hoje e o que desejamos nos tornar é o que dá profundidade às nossas relações e nos mantém firmes em meio às mudanças da vida.
A vida afetiva tem sua regra: só podemos dar de nós o que de nós já conquistamos e dispomos. A transferência implica em posse; ninguém pode dar o que não tem, por mais que queira. O cativeiro afetivo é destino certo para todos aqueles que resistem a assumir o protagonismo de suas vidas.
Uma relação, de qualquer natureza, deixa de ser saudável quando uma das partes se responsabiliza ou é responsabilizada pelo sentir do outro. Não é um desencorajamento para a sensibilidade ou para a empatia, mas um convite ao autocuidado. Esse conceito de equilíbrio emocional é essencial para que as relações não se transformem em prisões emocionais, onde o controle e a dependência suprimem a liberdade e o crescimento mútuo.
O primeiro passo para a libertação está na retomada da identidade individual. Em contextos de crise, voltar-se para a relação fundamental consigo mesmo e com o Criador é o alívio do fardo. Somente ao recuperar nossa essência e nos reconectar com o que realmente somos, conseguimos fortalecer nosso núcleo interno e reencontrar o equilíbrio. Essa reconexão é vital para que possamos resistir ao impulso de nos dissolver nas demandas e expectativas dos outros, especialmente em um mundo caracterizado pela “liquidez” das relações, como descrito por Zygmunt Bauman.
Para que possamos nos relacionar de forma plena, é necessário termos um núcleo interno forte e bem delimitado. Bauman nos alerta sobre os perigos de uma modernidade líquida, onde as identidades e os relacionamentos são instáveis e facilmente dissolvidos. Quando nosso núcleo é fluido, sem forma definida, corremos o risco de fundir nossa identidade ao coletivo, perdendo o sentido de quem somos. Sem esses limites, deixamos de existir como indivíduos e nos tornamos apenas reflexos das expectativas e demandas externas. É essa “liquidez” que torna as relações efêmeras e superficiais, enquanto a solidez de um núcleo forte nos permite manter nossa individualidade e criar vínculos mais profundos.
A verdadeira liberdade emocional e espiritual está diretamente ligada à capacidade de conhecer a si mesmo e viver de forma autêntica. “Conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (João 8:32). Isso significa que, tanto no campo espiritual quanto nos relacionamentos, só podemos crescer plenamente quando não estamos presos às expectativas e emoções alheias. Fortalecer nosso núcleo interno é o que nos permite nos relacionar com o outro sem perder nossa própria essência. Em um mundo líquido, onde as fronteiras entre o “eu” e o “outro” são constantemente diluídas, é ainda mais importante que essas delimitações sejam claras e firmes.
O amor verdadeiro, por sua vez, exige que saibamos equilibrar o cuidado por nós mesmos e pelos outros, como ensina a máxima “Amarás o teu próximo como a ti mesmo” (Mateus 22:39). Esse equilíbrio só é possível quando os limites pessoais estão claros, permitindo que o cuidado com o outro não venha à custa da nossa própria identidade. Relações saudáveis são construídas quando ambos mantêm seus núcleos individuais fortes, permitindo uma troca autêntica e não a fusão que leva à perda de si mesmo. Quando os indivíduos têm limites bem definidos, há espaço para o crescimento mútuo e não para a dependência emocional que caracteriza muitas das relações líquidas da modernidade.
A interpretação popular da frase “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”, do clássico O Pequeno Príncipe, muitas vezes encoraja laços de dependência emocional, nos quais uma pessoa se sente responsável pelas emoções do outro. No entanto, cada um deve assumir a própria vida e emoções, respeitando os limites do outro e os seus próprios. “Tome a sua cruz e siga-me” (Mateus 16:24) é um chamado para assumir essa responsabilidade individual, garantindo que nossos limites sejam respeitados e não ultrapassados em nome de uma falsa conexão ou dependência.
Bauman descreve que, na modernidade líquida, a falta de solidez nas relações leva as pessoas a buscar constantemente preenchimento externo, o que resulta em vínculos frágeis e temporários. Em um mundo apressado e desconectado do autoconhecimento, muitas vezes buscamos no outro aquilo que nos falta internamente, o que resulta em desencontros e expectativas não correspondidas. Quando nosso núcleo é fluido, tentamos preencher nossos vazios fundindo-nos aos outros, o que inevitavelmente leva a frustrações. Relações saudáveis requerem que sejamos sólidos em quem somos, dedicando-nos ao “artesanato” da construção afetiva, que exige tempo, paciência e esforço. Esse trabalho de autodefinição e autoconhecimento é o que fortalece os laços e evita a dissolução de nossa individualidade em um mundo líquido.
Além disso, o perdão é uma ferramenta fundamental para manter nossos limites intactos e nossa paz interior. “Perdoai, e sereis perdoados” (Lucas 6:37) lembra que o ato de perdoar é uma maneira de curar a si mesmo, libertando-se das amarras emocionais que podem nos aprisionar em ciclos de dor. Ao perdoar, também reforçamos nossos limites, permitindo que nossas relações sejam reconstruídas sobre bases mais saudáveis.
Portanto, assumir o protagonismo da própria vida, definir claramente nossos limites e reconhecer as responsabilidades emocionais de cada um são essenciais para evitar o cativeiro afetivo. Somente com um núcleo forte e bem delimitado podemos construir relações baseadas na liberdade, no respeito mútuo e no crescimento, sem perder a nossa essência no processo. Ao nos reconectarmos com nós mesmos e com o Criador, encontramos o alívio necessário para enfrentar as crises e nos libertarmos emocionalmente, escapando da liquidez da modernidade que dissolve identidades e laços.
Assim como o filósofo que lamentava a impossibilidade de ver o mesmo rio duas vezes, também lamento as versões de mim que não mais existem. Elas fluíram, como as águas, levando consigo parte do que fui. E, embora eu aceite o curso natural das mudanças, há em mim uma nostalgia pelo que se foi, por quem eu fui — e por quem, nas minhas relações, já não posso ser.